Harald Szeemann, o organizador de exposições





Ao invés da denominação de curador, Szeemann se autoproclamou organizador de exposições. Em 1996 é publicada uma entrevista com ele (realizada no ano anterior, em restaurante em Paris), na revista Artforun. Nela, a partir das perguntas e respostas, acompanhamos como foi construída a trajetória do “cúmplice dos artistas”, conforme a apresentação na publicação.

Não se curvou às regras da época. Transgrediu normas curatoriais de seu tempo e organizou exposições referenciais apresentando artistas emergentes da Europa e dos Estados Unidos.

Szeemann construiu sua reputação na Kunsthalle, de Berna, conforme o registro no capítulo sobre ele, no livro Uma breve história da curadoria, de Hans Ulrich Obrist (2010). Assumiu a direção da instituição, substituindo Franz Meyer, que por sua vez, havia assumido pós Arnold Rudlinger. Dois nomes dos quais Szeemann admirava o trabalho: “Quando assumi a Kunsthalle, em 1961, tive que encarar esse passado venerável e, então, mudar de direção” (p.106).

Em sua trajetória pelo mundo das artes ele diz ter descoberto “que a arte era um modo de desafiar a noção de propriedade/posse”. Com esse conceito em mente e diante do fato de que a Kunsthalle não contava com uma coleção permanente, era preciso “improvisar, fazer o máximo com os mínimos recursos...” (p.106-7).

Ao longo da entrevista Szeemann nos mostra quem são seus referenciais na direção de museus, como funcionavam as instituições daqueles tempos e como ele chegou à curadoria independente. Ele relata, ainda, sobre os artistas e as obras que fizeram parte de suas ações/exposições,  intervenções/construções/desconstruções, bem como os recursos financeiros eram obtidos para tais realizações.

O marco  de sua carreira como curador foi a mostra “quando as atitudes tornam-se forma”, em 1969. No anterior ele havia sido procurado pela empresa Philip Morris e pela empresa de Relações Públicas, Rudder and Finn, que lhe propuseram patrocínio para fazer uma exposição por conta própria. Conta que “eles me ofereceram dinheiro e total liberdade” (p.112). Era 1968 e, com o dinheiro do patrocínio, saiu em busca de artistas na Holanda e na Suíça para executar o seu projeto. É no percurso de viagens e ateliês que ele encontra o mote para a exposição: comportamentos e gestos.
                            
 O “organizador de exposições” cita a existência do diário de Atitudes que documenta tudo o que e como se chegou a “Atitudes”, uma exposição que contou com 69 artistas europeus e norte-americanos. A Kunsthalle “se tornou um laboratório real e um novo estilo de exposição nasceu: um caos estruturado”. Ele descreve algumas das intervenções:

Robert Barry iluminou o telhado; Richard Long fez caminhada pelas montanhas; Merz construiu seus primeiros iglus; Michael Heizer abriu a calçada; Walter de Maria sua primeira obra com o telefone; Richard Serra exibiu suas esculturas de chumbo – a obra com o cinto e a obra com respingo -; Weiner retirou  um metro quadrado da parede; Beuyes fez uma grande escultura. (OBRIST, 2010, p.113)
                                                                                               
Naturalmente que uma exposição desse gênero não foi aclamada por unanimidade. Os críticos e o Parlamento não apreciaram. Além do Parlamento, o governo municipal se envolveu na polêmica e impuseram restrições à atuação de Szeemann como Diretor da Kunsthalle, o que o levou a demitir-se da instituição e tornar-se curador independente. Por essa época (1968), conta-nos ele, eram fortes as manifestações de hostilidade com trabalhadores estrangeiros, incluindo a fundação de um partido político para diminuir o número de estrangeiros na Suíça.

Frente a esse clima de hostilidades Szeemann não passou incólume e agiu.
Eu fui atacado porque meu nome não era suíço, mas húngaro. Em resposta fundei a Agência para o Trabalho Convidado Espiritual, que era uma declaração política, uma vez que os trabalhadores italianos, turcos e espanhóis, na Suíça, eram chamados de “trabalhadores convidados”.  A agência era uma empresa individual (...), o que significa que eu fazia tudo, desde conceituar o projeto até pendurar as obras. Era o espírito de 1968. (OBRIST, 2010, p.114)

Com a saída da Kunsthalle, Szeemann dá início a uma intensa agenda de exposições ofertadas à Agência, na Europa e na Austrália, incluindo a Documenta 5. Suas produções nesse período contestaram, movimentaram e, essencialmente, provocaram os sentidos, sentimentos e padrões artísticos.


Ao discorrer sobre a Documenta 5, Szeemann aponta os elementos de época, os conceitos que tornaram essa exposição uma referência. “Foi a primeira vez que a Documenta deixou de ser concebida como um ‘ museu de cem dias’ para ser um evento de ‘cem dias’". (p.117). Conta-nos também o que propunha sua curadoria frente a Documenta.
Com a Documenta eu queria traçar uma trajetória da mímesis, tomando de empréstimo a discussão de Hegel sobre a realidade da cópia [Abbildung] em oposição à realidade do copiado [Abgebildetes]. Você começava com ‘Imagens que mentem’ (tais como a publicidade, a propaganda e o kitsch, passava pela arquitetura utópica, imagens religiosas e art brut, atravessava o gabinete de Beuyes e então chegava às instalações grandiosas, como Circuit [Circuito], de Serra). (OBRIST, 2010, p.117)

Szeemann descreve, ainda, outras intervenções ocorridas na Documenta 5 e destaca que “todos os artistas emergentes do final dos anos 60 estavam presentes” (p.116). Conta ainda que, de início, a recepção na Alemanha foi devastadora. No entanto, a França compreendeu a proposta.

A partir de 1974 coloca a Agência a serviço do seu Museu de Obsessões. Szeemann explica que inventou o museu “que só existia na minha cabeça, para dar uma direção à Agencia para o Trabalho Convidado Espiritual” (p.119).

Com o Museu ele tratou temas singulares ou universais. Exemplificam esses conceitos a exposição Avô realizada em seu próprio apartamento, com “objetos pessoais e instrumentos de trabalho de meu avô; ele era cabeleireiro e um artista” (p.119); a exposição Bachelor Machines apresentando o que Szeemann chamava de obsessões primárias – energia eterna – morte – vida – procriação, utopias, ideologias, etc. Constrói e reconstrói o conceito de obsessão. Subverte modelos de organização de suas exposições. Cria mundos ao invés de apenas documentá-los.

Na sequencia da entrevista, Szeemann discorre sobre suas mais significativas exposições e artistas que admirava. Sobre descobertas e redescobertas de artistas, sua trajetória nas instituições oficiais e não oficiais de arte nas décadas de 80 e 90.

Ao finalizar a entrevista dá sua definição sobre curadoria destacando a necessidade da flexibilidade. Para ele, o curador:

Algumas vezes, ele é o criado, outras vezes, o assistente, às vezes, ele fornece ao artista ideias sobre como apresentar seu trabalho; na exposição coletiva, ele é o coordenador; nas exposições temáticas, o inventor. Mas a coisa mais importante sobre curadoria é fazê-la com entusiasmo, amor e um pouco de obsessão. (OBRIST, 2010, p. 130)




                                                                                       

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